LIDANDO COM A MORTE E O LUTO NA FAMÍLIA

Falar de morte nas suas diversas ocorrências (morte natural, por doença, acidente, suicídio), nem sempre é um assunto fácil. Na sociedade brasileira atual, a morte e o suicídio ainda são considerados tabus.

L'amour menaçant, Etienne-Maurice Falconet
L’amour menaçant, Etienne-Maurice Falconet (Museé du Louvre, 2011)

O que acontece depois da morte não se pode realmente saber. Supomos mundos diferentes, como o céu e o inferno, ou mesmo o nada, como se a morte fosse uma não existência. Falar sobre esse tema, por mais que se tenha estudado, é sempre assunto regido de mistérios.

Esse fenômeno pode acontecer em qualquer idade da vida, mas costumamos associá-lo à velhice (e parece que a elaboramos melhor quando acontece nesta etapa da vida). “A morte de uma pessoa mais velha é bastante relevante. No entanto, aparentemente é menos assustadora do que na meia-idade, talvez porque a maioria dos indivíduos, diante da inevitabilidade, chega a um acordo com ela. Adultos mais velhos estão mais inclinados a temer o período de incerteza antes da morte do que a morte em si. Eles ficam ansiosos sobre onde podem morar, sobre quem cuidará dele, se serão capazes ou não de enfrentar a perda de controle e independência que pode ser parte dos últimos meses ou anos de vida”. (BEE, 1997, p. 587). Ou seja, na ausência de uma pessoa, os papéis sociais e as relações dos demais na família se modificam. Portanto, para lidar com a morte, a família deve ser flexível para as mudanças dos papéis.

Assim, a família passa por um processo de adaptação: o reconhecimento compartilhado da realidade da morte e a experiência comum da perda, ou seja, a família reconhece e aceita o contato com a realidade e se comunica, compartilha os sentimentos e sofrimentos; a reorganização do sistema familiar e o reinvestimento em outras relações e projetos de vida.

“Quando as famílias podem se reunir e compartilhar a experiência de sofrimento, mudanças muito positivas costumam acompanhar o luto, fortalecendo a unidade familiar e todos os seus membros. A finalidade da morte traz a consciência de que o tempo é limitado e precioso, e pode ser o ímpeto para a reconciliação e a reparação de antigos conflitos antes que seja tarde de mais. As famílias podem desenvolver um sentido mais claro das prioridades da vida, uma maior valorização das relações e uma capacidade aumentada de intimidade e empatia” (WALSH & MCGOLDRICK, 1998, p. 52).

Musee du Louvre

Bee (1997) propõe que as pessoas que sabem que vão morrer passam por 5 estágios (sugeridos primeiramente por Kübler-Ross):

1°) Negação – ao receber um diagnóstico terminal é muito comum a pessoa negá-lo,  pensar que é um engano ou que isso não aconteceria com ela;

2°) Raiva – quando o indivíduo cai em si e percebe que seu diagnóstico é verídico, geralmente tem uma sensação de perda ou desesperança. A raiva pode ser expressa contra a equipe médica, familiares ou mesmo Deus.

3°) Barganha – a pessoa tenta fazer um “acordo” com a equipe médica, familiares ou Deus.

4°) Depressão – é o momento em que a pessoa entra num estado de desespero (este estágio prepara-a para o último).

5°) Aceitação – o indivíduo pára de sofrer e se sente preparado para morrer.

Estes estágios podem ser descritos também com a família dos pacientes terminais ou mesmo num processo de luto, ou seja, quando alguém está sofrendo uma perda. A negação, por exemplo, pode fazer com que a família do paciente terminal “não tome as providências necessárias, levando posteriormente a sentimentos de culpa. A raiva pode ser projetada na equipe de saúde ou no próprio paciente (…) Não é raro que a família se cinda, ocorrendo inimizades e acusações. (…) Os parentes destes pacientes frequentemente também estão despreparados cultural e emocionalmente para defrontar-se com a morte e o morrer de uma pessoa próxima”. (CASSORLA, 2002, p. 361)

Rituais provenientes da morte são importantes, pois “auxiliam os familiares a lidar com sua dor, dando-lhes um conjunto específico de papéis a serem desempenhados (…) Os rituais de morte são capazes de fortalecer os laços familiares, esclarecer novas linhas de influência ou autoridade na família, passa a tocha, de certa forma, às novas gerações. Ao mesmo tempo, os rituais de morte são também planejados para auxiliar os sobreviventes a compreender o sentido da própria morte, em parte, enfatizando o sentido da vida da pessoa que morreu. (…) Em certo sentido, um enterro costuma assemelhar-se a uma ‘revisão de vida’” (BEE, 1997, p. 598-599). Claro está que estes papéis variam de acordo com a cultura de cada um.

O luto, mesmo quando aceito, não significa que não seja doloroso ou que não exija um grande esforço de adaptação às novas condições de vida, tanto por parte de cada um dos componentes familiares, quanto pelo sistema familiar como um todo, unidade. Muitas vezes faz-se necessária a terapia para que haja a superação da morte e do luto.

“Precisamos aceitar nosso próprio medo da morte e os limites de nosso controle de modo a desmistificar as questões da perda, para que não continuemos a negar sua significação ou negligenciá-las em nossa teoria e prática. Aceitando a morte como parte da vida e a perda como uma experiência transformadora, nós – e nosso campo – vamos descobrir novas possibilidades de crescimento” (WALSH & MCGOLDRICK, 1998, p. 52-53).

Museé du Louvre

Referências bibliográficas:

BEE, H. O Ciclo Vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

CASSORLA, R.M.S. A morte e o morrer. In: BOTEGA, N.J. Prática Psiquiátrica no Hospital Geral: Interconsulta e emergência. Porto Alegre: Artmed, 2002.

WALSH, Froma; MCGOLDRICK, Mônica. Morte na família: sobrevivendo às perdas. Porto Alegre: Artmed, 1998.